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voltarDólar valorizado faz empresas repassarem preços aos clientes
Fonte: Valor Econômico
Raquel Landim
Um grupo de empresas negocia reajustes de preços com os clientes neste início de ano e está em busca de alternativas para cortar custos, porque a desvalorização do real encareceu os produtos importados e as matérias-primas cotadas em dólar. Companhias com alto percentual de insumos, peças ou até produtos acabados adquiridos no exterior não estão resistindo à pressão e tentam repassar os aumentos.
O movimento ainda está restrito a setores com esse perfil e, por enquanto, não deve ter impacto significativo na inflação (ver matéria abaixo). Para as empresas com mais conteúdo nacional, a margem de manobra é maior. Essas companhias preferem reduzir os lucros, porque temem a reação do consumidor, que reduziu as compras preocupado com a crise global.
A Black & Decker já informou os clientes que vai reajustar seus produtos, como ferros de passar roupa e ferramentas, entre 8% e 15% . Segundo o diretor-comercial, Domingos Dragone, a magnitude dos aumentos vai depender do percentual de insumos importados de cada item. "Estamos preocupados com o consumo e vamos repassar o mínimo necessário, mas não adianta ter volume e não ter preço. Com esse câmbio, não tem milagre", disse.
Cerca de 20% dos insumos são importados e outros 15% são matérias-primas adquiridas localmente, mas cotadas em dólar. A moeda americana subiu mais de 40% (R$ 1,60 para R$ 2,30). A estratégia da Black & Decker foi manter os preços até o fim do ano passado, garantir as vendas do Natal e promover os reajustes em janeiro. Dragone disse que 2008 foi um ano "ótimo" e que as vendas cresceram 20% em relação a 2007, embora com menos fôlego a partir de outubro.
A fabricante de jogos e brinquedos Grow vai reajustar em cerca de 15% sua linha de produtos importados a partir de abril. Conforme Gustavo Arruda, gerente de produto, a participação dos produtos importados no portfólio da empresa deve cair de 15% em 2008 para 10% este ano e os investimentos em propaganda serão concentradas na linha de jogos, que é produzida no Brasil. "A intenção é substituir parte do faturamento que vinha do importado por produtos de fabricação local", disse.
A empresa não prevê reajustes nos brinquedos produzidos no país no primeiro trimestre do ano, apesar do aumento dos custos. Segundo Arruda, os preços de algumas matérias-primas subiram desde outubro, apesar da queda das commodities, e a Grow já recebeu sinalizações de fornecedores sobre novos aumentos em breve. "O mercado não absorverá altas significativas de preços, principalmente no atual momento de retração de demanda e renda", disse.
Na CBC Indústrias Pesadas, que fabrica bens de capital por encomenda, a alta do dólar provocou elevação de custos, já que a empresa utiliza matérias-primas e componentes importados em seus produtos, disse o diretor-comercial, João Arlindo Viteri. Segundo ele, os fornecedores de equipamentos que trabalham com conteúdo importado estão repassando para os preços o impacto da desvalorização do real.
"Nos contratos que estão em andamento, onde a CBC assumiu o risco cambial, não temos como repassar a alta do dólar", diz Viteri. No caso das propostas novas, porém, a empresa apresenta os clientes preços que levam em conta o câmbio atual. O aumento médio fica em 5%, dependendo da parcela importada de cada produto, afirma ele.
Outra mudança que pode ser provocada pelo novo patamar do câmbio é a troca de fornecedores. Como o real se manteve valorizado por bastante tempo, as empresas substituíram insumos nacionais por importados. A recente alta do dólar motivou as companhias a rever a estratégia, mas ainda não há sinais na balança. As empresas atribuem a redução na importação de bens intermediários em novembro e dezembro à queda na produção.
A fabricante de autopeças Robert Bosch está reavaliando a importação de insumos, mas a tarefa é delicada por conta da volatilidade da moeda. Segundo o diretor de compras, qualidade, logística e desenvolvimento de fornecedores, Paulo Rocca, a empresa substituiu componentes mecânicos importados por fontes já homologadas no Brasil. "Alguns dessas peças foram compradas localmente no passado e, por falta de competitividade, passaram a ser importadas".
Rocca explicou que sua equipe está focada em projetos de nacionalização, mas apenas se forem rentáveis a médio e longo prazo. Segundo o executivo, os resultados da mudança só devem aparecer no segundo semestre. Ele afirmou que a atual queda das importações de componentes se deve à redução da produção e à utilização de estoques. A empresa preferiu não detalhar se está planejando reajustes de preços.
Osias Galantine, diretor de compras da Fiat, não vê muito espaço para substituição de produtos importados por nacionais. O executivo afirmou que a montadora já possui um alto índice de nacionalização, que chega a 90% nos carros mais populares. Ele ressaltou ainda que, apesar do câmbio, peças e componentes chineses continuam competitivos. A Fiat possui um projeto de prospecção de peças do país asiático, que vai diminuir, mas não será desativado.
Galantine explica que, apesar do baixo percentual de peças importadas, a desvalorização do real também atinge a empresa, porque matérias-primas compradas no país são cotadas em dólar. Ele disse que mudança do câmbio foi tão brusca que mais do que compensou a queda das commodities. Segundo a assessoria de imprensa da Fiat, reajustes de preços só serão praticados se forem aceitos pelo consumidor. (colaborou Sergio Lamucci)
Para analistas, reajustes vão gerar pouca pressão inflacionária
Sergio Lamucci, de São Paulo
14/01/2009
O repasse da alta do dólar para os preços de bens de consumo duráveis e bens de capital não deve provocar pressões inflacionárias preocupantes, segundo a maior parte dos analistas. A expectativa dominante é de que os reajustes serão localizados e limitados, devido à forte desaceleração da economia e à queda da confiança de consumidores e empresários.
O analista Francis Kinder, da Rosenberg & Associados, vê pouco espaço para os fabricantes de bens duráveis como eletroeletrônicos e eletrodomésticos promoverem reajustes expressivos de preços. "As condições de crédito pioraram muito e há um desaquecimento significativo da atividade econômica", afirma ele, que projeta um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 4,5% - exatamente no centro da meta de inflação deste ano, e razoavelmente abaixo dos 5,9% de 2008.
Para Kinder, tampouco há espaço para repasses expressivos no atacado. Ele lembra que muitas empresas enfrentam problemas para dar conta de suas atividades cotidianas, o que torna difícil que aceitem reajustes de preços significativos. Kinder vê um ano tranqüilo para o Índice de Preços no Atacado (IPA) apostando num alta de 3%, bem abaixo dos 9,8% observados em 2008. O IPA comportado vai ajudar a manter sob controle o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI), no qual as cotações no atacado têm peso de 60%. A Rosenberg acredita em alta de 3,6% para o IGP-DI em 2009, com desaceleração significativa em relação aos 9,1% de 2008.
O estrategista-chefe do BNP Paribas, Alexandre Lintz, acredita que haverá sim algum repasse da alta do dólar para as cotações nos próximos meses, um processo que ele diz ser necessário para que ocorra o ajuste de preços relativos num ambiente de forte desvalorização do câmbio. É preciso que os bens comercializáveis internacionalmente (os tradables, influenciados diretamente pelo dólar) caminhem acima dos não comercializáveis (non tradables, como serviços) para que seja feito esse ajustamento, afirma Lintz. "Mas é um ajuste de preços relativos em função da desvalorização do câmbio, e não um processo inflacionário."
Segundo Lintz, a alta do dólar teve até agora um "impacto praticamente nulo" sobre os preços. Em dezembro, os bens duráveis do IPCA caíram 1,04%. Os tradables subiram apenas 0,17%, desacelerando-se em relação ao 0,6% do mês anterior. Quando terminar o processo de ajustes de estoques, porém, a recomposição será feita com base no câmbio mais desvalorizado, e haverá elevação das cotações, diz ele. A questão é que essas altas não deverão ser suficientes para pressionar a inflação de modo significativo.
A exemplo de Kinder, Lintz projeta um IPCA de 4,5% neste ano. "Eu estimava um IPCA de 5%, mas revisei para baixo porque acredito que os serviços vão subir a um ritmo mais baixo em 2009", explica ele. Segundo Lintz, com a perspectiva de piora no mercado de trabalho neste ano, os serviços (aluguel, cabeleireiro, conserto de automóvel) não deve aumentar tanto como no ano passado, quando registrou alta de 6,39%. Esse grupo de preços, vale lembrar, é fortemente influenciado pelas condições de emprego e renda.
A economista Tatiana Pinheiro, do Santander, tem uma visão diferente sobre a questão do câmbio e da inflação nos próximos meses. Ao contrário da maior parte do mercado, ela acredita que o repasse da alta do dólar para os preços não será tão localizada e nem tão indolor. Segundo ela, a queda das commodities, as expectativas de inflação sob controle e o tombo da confiança de consumidores e empresários limitaram os reajustes de preços. A questão, diz Tatiana, é que não se deve extrapolar o desempenho da inflação em novembro e dezembro para os próximos meses. Ela lembra que no mês passado também houve o efeito sobre os índices de preços da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis, algo que não vai se repetir.
"Não acho que a inflação será explosiva, mas haverá sim repasses da desvalorização para os preços", afirma Tatiana, para quem o processo deve começar no primeiro trimestre e se acentuar no segundo. O impacto da alta do dólar sobre a inflação costuma ocorrer com defasagem, acrescenta ela. Tatiana estima um IPCA de 6% neste ano, bem acima dos 4,5% projetados por Kinder e Lintz. Não por acaso, ela acredita que o Banco Central (BC) só fará um corte de 0,5 ponto percentual na taxa Selic na reunião deste mês, mantendo depois os juros inalterados em 13,25% ao ano até o fim do ano. É uma opinião que conta com poucos adeptos no mercado atualmente. Kinder espera corte de pelo menos 0,5 ponto neste mês e projeta uma Selic de 11,25% no fim do ano. Lintz projeta redução de 0,75 ponto em janeiro e aposta num juro de 10,75% em dezembro.