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Mudança no Conselho de Contribuintes causa polêmica entre tributaristas

Marta Watanabe A proposta do governo federal de alterar a estrutura do Conselho de Contribuintes é alvo de críticas de tributaristas que representam as empresas. Eles temem que a proposta de simplificação, que reúne os atuais três conselhos em um só, reduza as oportunidades de divergência em favor do contribuinte. A mudança que causa mais receio é a proposta para que os procuradores da Fazenda Nacional passem a fazer parte da composição do Conselho como representantes da Fazenda. Hoje quem representa a Fazenda são os auditores da Receita Federal. Os representantes dos contribuintes continuam sendo indicados pelas confederações. O Conselho de Contribuintes é uma espécie de tribunal administrativo. É a esfera preferida de questionamento das grandes empresas para questões tributárias. Historicamente as empresas conseguem derrubar no órgão 40% do valor das cobranças por autuações fiscais. Atualmente aguardam julgamento no órgão mais de R$ 156,6 bilhões em créditos autuados pela Receita Federal. Cerca de 82% desse total corresponde a discussões nas quais estão em jogo valores acima de R$ 10 milhões. "Conceitualmente não há nenhum problema", diz Hélcio Honda, assessor tributário da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Afinal de contas, diz, os auditores lavram as autuações e os procuradores as defendem. De qualquer forma, a Fazenda já está representada no Conselho atualmente. Ele diz que a Fiesp ainda não analisou formalmente o assunto, mas há uma preocupação de tributaristas e empresas com a proposta. O problema, diz, é que os contribuintes já têm maior certeza da independência dos auditores que hoje fazem parte dos Conselhos. "Não há por que alterar uma estrutura que está funcionando", explica. "E a sugestão de mudança é um pouco preocupante porque vem num momento em que os procuradores estão mais atuantes. Há receio de que a intenção seja a de torna favorável ao Fisco o julgamento de algumas questões em trâmite no Conselho atualmente." A desconfiança não vem à toa, diz Honda. Ela é resultado de medidas anteriores que tentaram enfraquecer o órgão e chegaram a paralisar, em julho e agosto do ano passado, os julgamentos do Conselho. O impasse foi por conta de uma medida que impedia os advogados representantes dos contribuintes de participar em julgamentos sobre assuntos que eles estivessem defendendo, mesmo que fosse em outros processos, para outras empresas. A determinação impediu a participação dos advogados em praticamente todos os processos e as sessões não chegavam ao quórum mínimo para votação. A vedação chegou a ser alvo de uma ação judicial da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). "No dia seguinte ao ajuizamento da ação uma nova portaria mudou novamente o regimento e, com isso, a OAB retirou o processo", conta Amaral, integrante do conselho tributário da Ordem. A nova norma manteve o impedimento apenas para a participação dos conselheiros de contribuintes nos casos em que fazem parte do processo. A mudança de regimento do ano passado não foi o único episódio que provocou reações. Uma proposta para exigir exclusividade dos advogados que representam os contribuintes em troca de uma remuneração em torno de R$ 15 mil também foi visto como sinal claro de tentar esvaziar o órgão. Isso porque praticamente nenhum sócio de grande escritório veria vantagem em deixar de advogar para ser um conselheiro. "O órgão atrairia tributaristas mais dependentes da remuneração", diz Amaral, o que interferiria na independência de julgamento. A proposta da remuneração caiu, mas rendeu desconfiança em relação às demais mudanças. A sugestão de colocar os procuradores junto com os auditores vem num momento em que a atuação dos procuradores no Conselho está muito mais forte, diz o advogado Igor Nascimento de Souza, do Souza, Schneider e Puglieses Advogados. Com a criação da Super Receita, em junho do ano passado, o número de procuradores que defendem a Fazenda no Conselho saltou de 13 para 27. O aumento de defensores da Fazenda, aliado a uma mudança de estratégia na atuação, fez reverter a favor do Fisco vários assuntos nos quais os contribuintes tinham vitória. Foi nesse período, inclusive, que se consolidou o que é considerada uma mudança revolucionária nos julgamentos do Conselho. Antes, explica Souza, as operações e planejamentos eram analisados do ponto de vista estritamente legal. Se todas as etapas da operação estavam dentro da lei, o planejamento era válido. Atualmente, porém, vem ganhando corpo dentro do Conselho o olhar sobre a chamada "substância econômica" da operação. Ou seja, não basta que todas as etapas da operação estejam dentro da lei. É preciso verificar se a forma dada à operação corresponde à finalidade econômica do ato. Com isso, operações como emissões de debêntures ou associação relâmpago de empresas que só existiram no papel, mesmo que lícitas, passaram a ter muito mais decisões desfavoráveis para as empresas. Com um número maior de defensores, Paulo Riscado, coordenador dos procuradores da Fazenda Nacional que atuam no Conselho de Contribuintes, diz que a estratégia é reverter assuntos que antes tinham praticamente vitória certa às empresas. "Conseguimos isso em várias discussões, como crédito presumido de IPI e aplicação dos expurgos na restituição de valores." A interpretação econômica das operações é uma linha que também canaliza esforços da Procuradoria, diz. "Isso é algo que veio para ficar, é irreversível", declara. A maior combatividade dos procuradores fez dobrar o volume de recursos à instância máxima do Conselho, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). O total de recursos saltou de 1,7 mil em 2006 para 3,2 mil no ano passado. "Essa elevação deve-se à maior atuação dos procuradores da Fazenda Nacional", diz Antonio Praga, conselheiro por parte da Fazenda e presidente do Primeiro Conselho de Contribuintes. Praga é um dos defensores da participação dos procuradores no órgão. "Investidos na função de conselheiros, os auditores fiscais, responsáveis por lavrar o auto de infração, ou os procuradores da Fazenda, responsáveis pela cobrança e execução, tornam-se julgadores administrativos, deixando de exercer suas atividades originais", defende. O conselheiro diz que a participação dos procuradores pode ser importante para melhorar a discussão tributária como um todo. Para ele, os procuradores, que já possuem experiência no processo tributário judicial, obterão mais conhecimentos técnicos com a atuação no administrativo. Isso será útil para a Procuradoria da Fazenda Nacional não só na atuação dentro do Conselho como também no Judiciário. "Registre-se que defender os interesses da Fazenda Nacional é também deixar de cobrar ou executar valores indevidos", esclarece.